1 de jan. de 2017

RETROSPECTIVA E PERSPECTIVAS DE CRUZAMENTOS NO BRASIL



Kepler Euclides Filho - Embrapa Gado de Corte

Geraldo Ramos de Figueiredo - Embrapa Gado de Corte 
1. Introdução

Analisando-se a pecuária de corte de regiões tropicais percebe-se que a produção de bovinos com esse propósito vem sendo baseada, de modo geral, em genótipos de origem zebuína ou com grandes proporções de genes de animais Bos indicus. Além da relação direta com o clima, essa predominância pode ser creditada a várias razões, algumas das quais contaram ou ainda contam com a participação proposital do homem. Dentre elas, válida especialmente para o continente africano e Índia, podemos destacar a que diz respeito à presença de animais dessa espécie, quer sejam nativos por origem, ou mesmo introduzidos há centenas de anos, e portanto, totalmente adaptados; a segunda razão é resultante de introduções de animais dessa espécie seguida de cruzamentos absorventes. Nesse caso, grande parte do sucesso, pelo menos o inicial, fundamentou-se, muito
possivelmente, nos benefícios da heterose obtida com os primeiros cruzamentos e provavelmente, na combinação fortuita de efeitos genéticos aditivos importantes. Um dos maiores exemplos dessa situação pode, de modo geral, ser observado na América Latina Tropical e, particularmente, no Brasil onde a presença de bovinos de origem européia já era constatada nas primeiras décadas após seu descobrimento. Esses animais e seus descendentes, oriundos de cruzamentos ou não, tiveram e têm importância fundamental na ocupação, no desbravamento, na colonização, na alimentação, no trabalho, no transporte, enfim, no desenvolvimento do país. Mais recentemente, além de continuarem marcando presença, passaram a se constituir em importantes componentes de uma cadeia produtiva de fundamental importância social e econômica para diversos países localizados em regiões tropicais e subtropicais. Provavelmente, a definitiva introdução do Zebu indiano no Brasil tenha ocorrido por volta de 1903, a partir de observações e estudos realizados pelo


Zootecnista Joaquim Carlos Travassos, citado por Santhiago, A.A (1986). Utilizando-se, principalmente, do periódico Tropical Agriculturist surpreendeu-se com o fato de os ingleses, colonizadores do Ceilão, não tivessem introduzido ali um só exemplar das raças inglesas, povoando o país apenas com gado indiano. Posteriormente, concluiu que na Índia existia inúmeras raças de gado com boa conformação para peso e produção de leite, que, embora não pudessem rivalizar com as raças européias, melhoradas ha mais de séculos, tinha a vantagem incontestável da grande rusticidade e a resistência aos principais parasitos presentes em nossas condições de clima mais ou menos semelhantes às das regiões de origem. Pode-se concluir, a partir das observações dos estudiosos da época, que as raças zebuínas deixavam a desejar nos aspectos produtivos quando comparadas às européias que, entretanto, não se adaptavam às condições médias do clima tropical. Um século depois, e principalmente nas duas últimas décadas, as diferenças de desempenho
produtivo entre as raças continuam existindo, mas se estreitaram de forma significativa, como resultado dos trabalhos de criadores isolados, associações, instituições de ensino e pesquisa, de técnicos em geral e a mudança de filosofia em julgamento de animais que, além das características raciais, passaram a dar importância aos aspectos relacionados à produtividade. Estas ações têm contribuído efetivamente para a melhoria genética dessa espécie resultando em aumento da produtividade final do setor. A busca por genótipos adaptados às nossas condições médias de clima e com características produtivas semelhantes aos dos animais europeus, provenientes de processos de seleção seculares, é um anseio antigo e exacerbado nos dias de hoje em função das mudanças que vêm ocorrendo na economia mundial com reflexos em todos os setores da economia, particularmente no da pecuária de corte. Segundo Euclides Filho & Cezar (1995), as dificuldades de se incorporarem novas áreas ao processo produtivo; o fortalecimento do Mercosul a competitividade de outras carnes e a necessidade de estruturar sistemas de produção que sejam produtivos e sustentáveis, induziram profundas mudanças no perfil tecnológico da pecuária de corte. Neste novo cenário, todo e qualquer empresário da pecuária de corte, para se manter no negócio, deve tornar a atividade competitiva, eficiente e eficaz. Dentro desta nova perspectiva, o uso de cruzamentos entre Bos taurus e Bos
indicus deve ser analisado como forma de se aumentar a produção e a produtividade de carne de qualidade em nossas condições. Diversos trabalhos, dentre eles, os de Euclides Filho et al. (1994); Rosado et al. (1991a); Norte et al. (1993); Silva & Pereira (1986); Filten et al. (1988); Manzano et al. (1986); Ribeiro & Lobato (1988); Alencar et al. (1994); Barcellos & Lobato (1992), indicam melhores desempenhos de animais mestiços em relação aos puros. Apesar disto, o uso desta ferramenta como forma de se obter melhorias no segmento da pecuária de corte, tem sido motivo de controvérsias: no passado, provavelmente devido à não observância do adequado ajuste do binômio genótipo ambiente, uso de programas sem objetivos definidos, mão-de-obra e infra-estrutura inadequadas, o não atendimento das maiores exigências nutricionais de animais com maiores potenciais de desempenho, etc. fizeram que muitos produtos mestiços fossem, pejorativamente, denominados “tucuras”. Atualmente, ao lado destes entraves que, ainda não foram totalmente resolvidos pelos diversos segmentos da cadeia produtiva, surgiram outras ameaças aos mestiços; os criadores de animais puros zebuínos modernizaram seus critérios de seleção priorizando características de importância econômica, como fertilidade, qualidade de carne, ganho de peso, rendimento etc. e passaram a utilizar de programas de seleção modernos e eficientes. Como resultado, observamos o grande incremento em produtividade obtido pelos Zebu, constituindo, também, em alternativa segura para os produtores comerciais. Além disto, a colocação na indústria frigorífica de uma grande quantidade de animais mestiços provenientes de outra atividade, animais estes, sem as características desejáveis para corte, causaram certa retração no mercado de mestiços, desestimulando os criadores que utilizam de cruzamento industrial para produzir carne de qualidade de forma eficiente. Dentro deste cenário, a decisão de adoção desta ferramenta , mais do que nunca, deve ser
precedida de criteriosa análise do sistema de produção e dos diversos segmentos componentes da cadeia produtiva. A heterose é, e continuará sendo, uma importe forma de melhoria dos índices produtivos, porém, não pode ser indicada com solução eficiente para todos os sistemas de produção, principalmente para o Brasil, país de dimensões continentais e, consequentemente com grandes diferenças climáticas. As indicações do uso de cruzamentos devem ser reorientadas no sentido de demonstrar suas vantagens em ambientes propícios com o foco principal na produção de carne de qualidade, sem contudo, desmerecer as demais vantagens que esta ferramenta pode oferecer quando centrada em projetos bem elaborados.

2. Principais trabalhos de cruzamentos realizados no Brasil.

2.1. Cruzamento Absorvente

PRODUTOS BRS

Provavelmente, tenha sido a primeira experiência de aplicação desta tecnologia no Brasil. Os pecuaristas e os estudiosos de zootecnia, logo após as primeiras importações, se aperceberam do melhor desempenho dos animais provenientes da Índia e optaram pela substituição da genética predominante no país, por outra que proporcionasse melhores ganhos. Este tipo de cruzamento, também chamado de contínuo, consiste na utilização sistemática de touros da nova raça que se deseja estabelecer sobre fêmeas da raça que se deseja substituir, onde, os machos das gerações subsequentes são, sistematicamente encaminhados ao abate e as fêmeas são utilizadas na reprodução, aumentando progressivamente a percentagem de sangue melhorador. Segundo Santiago, A.A. (1975), este é o recurso mais simples e menos dispendioso para a gradual substituição de populações, evitando despesas de importações maciças de reprodutores e problemas de adaptação ao novo meio ambiente. De modo geral, os produtos da quinta geração são considerados puros por cruza(PC), ou seja, a raça que serviu de base ao cruzamento foi completamente absorvida pela raça melhoradora.

3. Cruzamentos visando formação de novas raças.

3.1. O Indubrasil 
Com o aumento do efetivo zebuíno, obtido por importações ou através de cruzamentos absorventes e as dificuldades de novas importações de gado da índia impostas pela Peste bovina, os criadores da época, principalmente os do Triângulo Mineiro, passaram a buscar novas alternativas de melhoria dos planteis existentes. Observaram, então, que os produtos oriundos de acasalamentos entre raças, apresentavam melhores desempenhos de pesos, ganhos de peso e precocidade, uma conseqüência benéfica dos efeitos da heterose. Segundo Santiago, A.A.(1975), desses acasalamentos, a princípio desordenados, surgiu um novo tipo, de pelagem geralmente branca ou cinza, orelhas muito grandes, cupim e
barbela bem desenvolvidos. O desconhecimento dos padrões das raças zebuínas e as dificuldades de distinguir os Zebus puros de mestiços de alta cruza com gado europeu levaram a maioria dos criadores a darem maior importância a animais com as características deste novo grupamento, ou seja, com barbela e umbigos avantajados, cupim volumoso e orelhas grandes e pendulosas. Esta era a forma de se diferenciar Zebu de europeu. Os trabalhos de formação e seleção da nova raça ocorreram com mais intensidade na região de

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