3 de ago. de 2016

A VACA ECONÔMICA



Fernando Enrique Madalena
Departamento de Zootencia
Escola de Veterinária da UFMG
fermadal@pop3.lcc.ufmg.br

Produção por vaca ou lucro?


A vaca de altíssima produção é geralmente 
considerada o paradigma, o ideal a ser alcançado.
Com a redução da margem de lucro ocorrida nos últimos anos, o produtor de leite precisa cada vez mais prestar muita atenção no custo/benefício das práticas que adota. Gastar é fácil, mas o retorno da despesa nem sempre está garantido. O produtor de leite está submetido a verdadeiro bombardeio de propaganda visando vender insumos, que nem sempre se justificam. A vaca de altíssima produção é geralmente considerada o paradigma, o ideal a ser alcançado. Recente reportagem de prestigioso jornal, sob o título de “Escola tira nota 10”, mostrava na capa sofisticada sala de ordenha, com vacas de alta produção, um colírio para os olhos, coisa linda de ser vista. No texto, porém, aparecia esta frase: “Entretanto, a nota foi apenas 9,5 porque o sistema ainda não dá lucro...”. Pode ser vista aí a magnitude do problema: já nas nossas escolas estamos ensinando ao técnicos a perder dinheiro. Na minha avaliação, um sistema que perde dinheiro tira nota 0, e, se eu tivesse fazenda e o técnico assessor me fizesse perder dinheiro, o demitiria. Uma frase do Prof. Sebastião Teixeira Gomes vem a tona neste contexto: “Define-se o bom técnico como aquele que ensina o produtor a ganhar dinheiro”.


Sistemas caros e sistemas lucrativos
Parece até uma ofensa à inteligência do leitor falar uma coisa tão óbvia como que o objetivo do produtor deve ser ganhar dinheiro, mas como geralmente isto se apresenta como sinônimo de produzirem sistemas caros, deve ser feita a distinção. São duas coisas diferentes. Como já mostrado em encontro anterior, os sistemas de produção mais sofisticados não tem dado bons resultados econômicos, levando a conclusão de que o “leite caro não compensa”, como pode ser visto na Fig. 1 (Holanda e Madalena, 1998). Aqueles autores também apresentaram informações da literatura mostrando que produtores mineiros em fazendas que vendiam 550 litros/dia, com vacas mestiças produzindo 9 litros de leite/dia, tinham melhor resultado econômico que produtores paulistas em fazendas que vendiam 1800 litros/dia, com vacas Holandesas confinadas, produzindo 19 litros/dia.

Figura 1. Relação entre a rentabilidade (r) e o custo de produção em 07 fazendas “modelo”
o: fazendas de custo médio, x: fazendas de custo alto
Reproduzida de Holanda e Madalena , 1998.


Assim, os números disponíveis indicam que os sistemas de produção com altos custos não tem se sustentado economicamente. Resultados do sistema de produção com Holandês em free stall da EMBRAPA-Gado de Leite apoiam esta conclusão, apesar de não ter sido publicada análise completa do referido sistema. Como pode ser visto na Tab. 1, também já apresentada anteriormente, mesmo desconsiderando-se as depreciações, a produção de leite naquele sistema não paga os custos de manutenção. Não é de se surpreender, então, que intentos de privatiza-lo tenham sido infrutíferos, por falta de comprador interessado.




Quais as técnicas de produção econômica? 

Num estudo recente de Holanda et al. (2000) também foi verificado que fazendas com perfil tecnológico dito “mais tecnificado” tinham margem líquida negativa, apesar de obterem maior produção por vaca, do que sistemas com rebanho mestiço intermediário que gastavam menos em diversas rubricas. Durante a defesa da dissertação respectiva, foi feita a seguinte argüição por membro da banca: “As fazendas que obtinham maior margem líquida usavam menos inseminação artificial, menos remédios, menos concentrados, menos ordenha mecânica e
tinham gado menos especializado. Faziam todo o contrário do que a técnica indica. Você recomendaria isto ao produtor?” A resposta do estudante foi: “sim, uma vez que assim a rentabilidade era positiva e de outra forma ocorria o contrário”.
Este exemplo serve para ilustrar preconceitos existentes quanto ao que deva ser a boa técnica. Por exemplo, ninguém poderá negar que a inseminação artificial é uma ótima técnica reprodutiva, desde que bem aplicada e desde que o investimento no sêmen corresponda á realidade da fazenda (Madalena, 1986).
Argumento semelhante aplica-se à ordenha mecânica, muitas vezes necessária mas outras não, quando implementada sem a necessária infraestrutura de apoio técnico, inclusive treinamento dos operários e gerentes, para garantir seu funcionamento apropriado. A educação e treinamento das pessoas envolvidas na produção são muitas vezes negligenciadas ao se recomendar uma dada técnica, da mesma forma que a decorrência lógica de maior remuneração do pessoal melhor qualificado.
A rubrica despesas com saúde merece cuidado, já que se bem é verdade que algumas das despesas, como a maioria das vacinas, são indispensáveis, outras dependem do manejo. Por exemplo, as despesas decorrentes da mamite podem ser reduzidas utilizando-se métodos apropriados de prevenção. As despesas com controle químico de parasitas também podem ser reduzidas com banhos estratégicos, rotação de pastagens e uso de genótipos resistentes. No encontro anterior, Teodoro et al. (1998) mostraram que a infestação com carrapatos não tinha efeito sobre a produção de leite de vacas mestiças, enquanto que as Holandesas sofriam uma redução de 25%. Assim, maiores despesas com saúde não necessariamente indicam melhor técnica, podendo inclusive indicar o contrário, se está se usando o gado errado ou manejo sanitário inadequado.
A rubrica “despesas com concentrados” merece atenção destacada, porque existe o mito generalizado entre os técnicos de que a alimentação deve maximizar a produção, quando, de novo, o que interessa é o custo-benefício da alimentação. Os resultados de Villela et al. (1996) servem de exemplo neste sentido. Eles comunicaram que vacas Holandesas em sistema de “free stall”, com dieta completa ad libitum à base de silagem de milho e concentrado, produziam 20,6 kg de leite por dia, enquanto que vacas comparáveis, em pastagem de coast cross, recebendo 3 kg de concentrado por dia, produziam 16,6 kg de leite por dia. Entretanto, a despeito de sua menor produção, a margem bruta do segundo grupo foi de US$ 764, contra US$ 570 do primeiro, uma diferença de 34% a favor do grupo que produzia menos porém com alimento mais barato.
A raça ou cruzamento escolhido também deve obedecer a critérios econômicos, em sintonia com os outros elementos do sistema de produção. É bem conhecida a superioridade dos mestiços para produzir em sistemas que oferecem forragens de menor qualidade, baixos níveis de concentrados, desafio de parasitas e calor, enquanto que na ausência destas limitações o gado Holandês é preferível.
Os resultados de experimentos de cruzamentos de Bos taurus x B. indicus, principalmente os brasileiros, foram revisados recentemente por Madalena (1997). Em níveis de produção de menos de 10 kg de leite por dia de intervalo de partos, a superioridade das mestiças (híbridas), especialmente das F1, tem sido consistente, para a quase todas as características de importância econômica, incluindo produção de leite, gordura e proteína, idade
Adega D
à puberdade e ao primeiro parto, eficiência de conversão de alimentos nas novilhas, mortalidade, morbidade e custos de saúde de bezerras, taxa de descarte de novilhas e vacas, vida útil, preço das vacas de descarte e custo da ordenha (Madalena, 1993).
A heterose acumulada nas diversas características componentes do desempenho econômico tem resultado em grande superioridade do cruzamento F1, especialmente em níveis de produção mais baixos (Fig. 2). Nota-se novamente nesta figura o pior desempenho econômico decorrente do alto uso de concentrados, no nível “alto” de manejo.
A superioridade do cruzamento F1 já vem sendo reconhecida também em outros países. Na Colômbia pudemos verificar produção de F1 inseminando vacas Holandesas com Gir e Guzerá no planalto de Bogotá, onde a altitude de 2400 m causa clima temperado, sendo
as bezerras transferidas posteriormente para os vales quentes, onde alcançam preços muito compensadores. Na Nova Zelândia, também de clima temperado, tivemos recentemente oportunidade de visitar a fazenda de Sr. David Wallace, que por 20 anos vem produzindo novilhas F1 mestiças de zebu, 2000 por ano, para exportar a diversos países tropicais.
À medida que aumenta o nível de produção, o desempenho das Bos taurus torna-se mais competitivo, alcançando o das híbridas em níveis de 10 kg de leite por dia de intervalo de partos (Madalena, 1997). Entretanto, existe relativamente pouca informação experimental para avaliar a partir de qual nível de produção as Bos taurus ultrapassam o desempenho das híbridas. Madalena et al. (1983), Mackinon et al. (1996) e Ferreira e Madalena (1997), não encontraram diferenças significativas na produção por dia de intervalo de partos entre vários cruzamentos com fração de genes de raça europeia > ½ até puras, em níveis de 10 kg/dia. Resultados recentes da EMBRAPA Pecuária Sudeste, em São Carlos, indicaram desempenho similar para quatro grupos genéticos: 1) cruzadas (de 5/8 até 7/8 Holandês); 2)puras por cruza;
3) GC1 e 4) >GC2+PO, que tiveram produções de, respectivamente, 4586, 4606, 4749 e 4769 kg por lactação e 11,0, 10,6, 11,4 e 11,3 kg/dia de intervalo de partos (Barbosa et al., 1999 e P.F. Barbosa, comunicação pessoal).




O sistema de produção tupiniquim
Como salientado por Matos (1996), ao contrário dos sistemas baseados em insumos caros, a melhor combinação de terra, capital e trabalho para produzir leite de forma econômica parece passar por tecnologia baseada na eficiente utilização da energia solar pelas de forragens tropicais, utilizadas com genótipos mestiços que permitem seu melhor aproveitamento, mesmo que não sejam atingidas as mais altas produções por animal.
Deve ficar claro que não se está apregoando o atraso nem vacas de 3 litros por dia. A produção de
39,000 kg de leite/ha/ano, comunicada por Beato Filho et al.(1996), mesmo que em escala experimental, mostra o tremendo potencial deste tipo de sistema. Sem chegar a tanto, Alvares et al. (2000) mostram neste mesmo Encontro que rebanho de F1 produzindo 13 kg/dia e 13,000/ha/ano, deu retorno do capital investido de 36% ao ano.
Assim, parece claro que o rumo para o desenvolvimento de pecuária leiteira tropical rentável deverá se basear nos seguintes componentes:

Alimento mais barato, baseado em pastagens
Uso econômico de concentrados
Menor uso de medicamentos
Instalações simples
Máquinas e equipamentos só quando justificados economicamente
Uso de gado produtivo, porém rústico, onde o cruzamento F1 se sobresai

Não se diga que este tipo de sistema seria atrasado, sem uso de tecnologia. Muito pelo contrário, já que a produção exitosa em pastagens envolve o domínio das complexas relações solo-planta-animal.
Para lucrar com leite a US$ 0,15 por litro ou menos, é necessária muita técnica, apenas diferente das empregadas no Hemisfério Norte, que não resolve nossos problemas.
O Brasil não tem de quem copiar a tecnologia de produção tropical, já que os outros países dessa região tem em geral menor desenvolvimento. Cabe então às organizações de fomento, extensão e pesquisa desenvolver e por para funcionar pacotes tecnológicos detalhados, afinados com as condições de cada região, tendo o lucro do produtor como foco.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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