4 de jul. de 2011

O GIR E O LEITE NO BRASIL

             Num artigo publicado em 1996 pela revista Agropecuária Tropical, Rinaldo dos Santos fez um questionamento que continua atual e pertinente a todos que se dedicam a zebuinocultura:

 “A taurinização do zebuíno valerá a pena?”

Na verdade este conceituado zootecnista fez um alerta que deve ser permanentemente lembrado, razão pela qual, tomamos a liberdade de divulgar o referido artigo neste blog.

O Gir & o Leite no Brasil
A diferença entre um zebuíno e um taurino está no sangue que corre em suas veias: o animal europeu tem cerca de 30% a menos de glóbulos sanguíneos e estes são muito maiores nos zebuínos. Assim, o Zebu tem mais condições de oxigenação das camadas superficiais do corpo, conseguindo suportar, com relativa tranquilidade, as condições tropicais. Popularmente, pode-se dizer que o sangue do Zebu é “mais fino e tem muito mais glóbulos vermelhos”. Ou seja, sua taxa de hemoglobina é 30% maior que a do gado europeu, aproximadamente.
É a baixa taxa de hemoglobina que garante ao animal europeu uma maior taxa de calor orgânico, para suportar o frio da Europa: e que garante ao zebuíno uma menor taxa de calor orgânico, para suportar o clima quente dos trópicos. A taxa de hemoglobina também explica, em boa parte, a capacidade de transformação de alimentos em leite. De certa maneira, basta aumentar a taxa de calor orgânico e o animal zebuíno terá melhores condições de transformar os alimentos em leite. Essa taurinização do zebuíno, no entanto, valerá a pena?
O bom cruzamento leiteiro, no mundo tropical, é aquele que explora o máximo calor orgânico do animal europeu, ao mesmo tempo, que o baixo calor orgânico do Zebu. Essa união de extremos garante um mestiço ideal para o meio-ambiente e para encher o balde. Se, todavia, o Zebu for um animal já mestiçado, com elevada taxa de calor orgânico (menor taxa de hemoglobina), então o vigor híbrido será menor e, mesmo produzindo muito leite, suas filhas sofrerão diante do meio ambiente.
Algumas vacas zebuínas leiteiras do passado, às vezes até campeãs no balde, padeciam visivelmente diante do clima, ofegando dentro dos pavilhões de concurso: isso era uma prova inconteste de que esse melhoramento, em particular, não valerá a pena, pois estava sacrificando o animal diante daquilo que ele tinha de mais valioso, ou seja, sua própria constituição de Zebu.
Ao diminuir a taxa de hemoglobina, por meio de cruzamentos com parentes longínquos europeus, o produto ganha em produtividade leiteira, mas perde em rusticidade. Um Gir puro-sangue, com mais 30% de taxa de hemoglobina, sem ordenha diária, ao ser cruzado com um Gir Leiteiro, com ordenha diária, mas com apenas mais 10% de taxa de hemoglobina, irá produzir um F-1 (meio-sangue, com aparência de Gir), mas também com baixa taxa de hemoglobina, reduzindo suas chances diante de convivência com o meio ambiente. Mesmo produzindo mais leite que sua mãe, esse produto será rejeitado rapidamente pelo mercado. Os filhos desse produto F-1 serão inferiores aos avós, ou seja, esse trabalho terá sido uma perda de tempo. Foi o que aconteceu na Estação Experimental de Umbuzeiro, ao introduzir touros de grande desempenho leiteiro, mas de fraca caracterização racial.
Em resumo, o Zebu precisa ser selecionado para leite, mas respeitando sua condição fisiológica milenar. Não existe nenhuma prova científica de que o melhoramento leiteiro do Zebu, tendo acontecido pela queda da hemoglobina (gerando então, maior calor orgânico), tenha frutificado por longo tempo. Normalmente, as vantagens obtidas no produto zebuíno F-1 (choque de famílias), devido alguma influência de sangue europeu, diluem-se nas gerações seguintes.
A seleção leiteira do Zebu, portanto, deve caminhar em passos pequenos, com melhoramento genético dentro dos padrões mundiais, variando entre 0,5 a 1,0% por ano. Não acontecem milagres na natureza! Afinal, o Zebu de baixa taxa de hemoglobina serve para a atualidade? Sim, ele é um investimento no caminho de encher o balde. E, ademais, numa analise visual, ele é “Gir”, mesmo de baixa classificação racial! Lentamente, com o passar das gerações, suas filhas irão aumentando a taxa de hemoglobina e se adequando ao mundo tropical.
Dentro de alguns anos, esses animais mal caracterizados, de chifres de inserção alta, pelagem inadequada, perfil retilíneo, de pouca convexidade craniana serão apenas parte da História, tanto quanto hoje se comenta sobre outros animais de antigamente, os quais, mesmos feiosos, valeram fortunas em seu tempo. Ficará claro que o uso desses animais terá constituído apenas um degrau da imensa escadaria que é a seleção animal em direção a uma Zootécnica tipicamente tropicalista.
O cenário, agora, vai sendo ocupado por animais zebuínos, de alta pureza racial, produzindo muito leite. Já se observa que os “Gir de baixa taxa de hemoglobina” estão desaparecendo. O próprio mercado mostra-se “vacinado” contra os animais que produziram muito leite à revelia de outros fatores seletivos, procurando, hoje, o caminho do meio. Afinal, o papel de produzir o “máximo” possível de leite, para o mercado consumidor, pertence e continuará pertencendo ao gado mestiço, o Girolando.
Por Rinaldo dos Santos,
Agropecuária Tropical, 1996, Uberaba – MG.

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